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O HOMEM QUE ENGARRAFAVA NUVENS


O blog Cultura Ciliar traz agora uma apreciação crítica do documentário "O homem que engarrafava nuvens", direção de Lírio Ferreira, que retrata a vida e a obra do músico, compositor, poeta, advogado, deputado federal e criador de leis de direito autoral Humberto Teixeira (Iguatu-CE, 5 de janeiro de 1915- Rio de Janeiro-RJ, 3 de outubro de 1979), que estreou no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro em 2008, e só visto em cartaz pelas paragens de Fortaleza, estado do biografado, neste começo de 2010, evidentemente à margem do circuito comercial por ser cinema de arte. Mais produções artísticas como essa são fundamentais e devem ser estimuladas, pois trabalham com a questão da identidade cultural, do resgate das raízes formadoras da nossa sociedade, da auto-estima do povo brasileiro, que precisa rever os seus referenciais de liderança, dos seus heróis nacionais, que são muito mais numerosos e relevantes do que os políticos e os militares que dão nome às ruas das nossas cidades (na verdade cujos nomes são impostos). Em Fortaleza, quarta maior cidade brasileira, não há uma grande avenida sequer homenageando Humberto Teixeira ou Patativa do Assaré, por exemplo.

O filme começa com uma cena no cemitério, em que Denise Dumont, atriz e filha de Humberto Teixeira, vai visitar o túmulo do seu querido pai e começa a refletir sobre a sua figura como ser humano e personalidade da cultura brasileira. Pouco se sabe sobre esse ícone da música nacional, mas as crianças desde cedo aprendem na escola a tocar na flauta, no violão, a cantarolar a toada-baião "Asa Branca", por exemplo, sem imaginar o contexto sócio-econômico, cultural e político da época em que foi composta essa e tantas outras obras musicais memoráveis foram incorporadas ao nosso cancioneiro. Denise Dumont, que assina a produção do documentário, demonstra um firme propósito em coletar depoimentos e informações acerca de seu pai, resgatando, além da sua própria história pessoal, genealógica, parte significativa da história da música brasileira, através de imagens do interior e da capital do Ceará nos anos 1920 e 1930, do Rio de Janeiro de 1940 em diante, onde Humberto Teixeira fixou residência até a sua morte em 1979.

Humberto Cavalcanti Teixeira, o retratado no documentário, nasceu na cidade de Iguatu, no interior do Ceará, no meio do Polígono das Secas, no sertão do Nordeste do Brasil. O nome de sua cidade natal, em língua indígena, significa "água boa". O título "O homem que engarrafava nuvens" é bastante sugestivo pois o "Doutor do Baião", como era conhecido, ao mesmo tempo erudito literato e compositor de trovas populares à maneira da literatura de cordel, observava a paisagem sertaneja e se inspirava para a sua criação artística, "engarrafando" as nuvens, o arco-íris, a resistente vegetação da caatinga.

Ao longo do documentário, outras personalidades da cultura brasileira fazem participações cantando as canções de Humberto Teixeira e/ou fazem depoimentos a respeito da vida e da obra do compositor cearense. Gilberto Gil, Caetano Veloso, o jornalista Tárik de Souza, a banda cabaçal Os Irmãos Aniceto, Patativa do Assaré, Raimundo Fagner, Fausto Nilo, Maria Bethânia, Chico Buarque, Gal Costa, entre outros, até o próprio Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga em gravações da década de 1970 dão o ar de sua graça no documentário. Nonato Luiz faz seu violão maravilhoso ressoar na nave da neogótica Catedral Metropolitana de Fortaleza. Em outro momento, "Paraíba" é cantada em japonês, mas que não convence tanto e soa bastante estranho e artificial, por não ter a flexibilidade e o lirismo do português dos brasileiros. Até em Nova Iorque, a banda Forró in the Dark (nome inspirado na canção "Forró no Escuro" de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga), de músicos brasileiros e o norte-americano David Byrne, cantam esse repertório de música nordestina em português e em inglês, uma passagem muito interessante de como a música brasileira conseguiu de maneira curiosa, principalmente ao longo do século XX, chegar a vários lugares do mundo e ainda permanecer desconhecida da maioria dos brasileiros atualmente.

A voz de Humberto Teixeira, "em off" durante boa parte do documentário, conta que desde criança ouvira o baião sendo tocado, que era música antiga, de três ou quatro séculos atrás, que juntamente com Luiz Gonzaga, eles tiveram o propósito de levar essa música nordestina para que o restante do Brasil conhecesse, e formasse um resistência cultural após a Segunda Guerra Mundial contra a música estrangeira que acriticamente era consumida e disseminada no Brasil (vejam como isso ainda é atual). Como tantos nordestinos que emigraram ao Centro-Sul buscando melhores condições de vida, indo para o Rio-São Paulo ou para o Planalto Central, formando a legião de "candangos", os construtores de Brasília (nova capital da esperança, que em 2010 comemora 50 anos), Humberto Teixeira, através da música, lembrava os seus conterrâneos das saudades da sua terra natal, exaltando a natureza, utilizando a língua corrente do povo e coerente com as tradicionais manifestações culturais desse interior, para o qual, como se diz no filme em questão, o homem brasileiro virou as costas (belíssima expressão idiomática essa - o interior geográfico e o próprio interior do ser humano).

Um excelente filme, primorosamente preparado, que deve ser apreciado por quem se interesse de verdade pela cultura do Brasil. "O homem que engarrafava nuvens" conta a história da música brasileira do século XX por uma perspectiva muito interessante, como já tratamos nesta apreciação crítica. O blog Cultura Ciliar recomenda que os leitores internautas assistam a essa preciosidade, maravilha cinematográfica, que, mesmo com quase duas horas de duração, consegue ser um produto cultural informativo, nutritivo de alma e de real entretenimento.

Nota: 9,0

texto de Marco Leonel Fukuda

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